As leis acompanham as mudanças da sociedade e seus afãs.
No afã de regulamentar a situação de crise instaurada nas relações trabalhistas por conta da pandemia do coronavirus, foi publicada a MP nº 927 de de 22 de março de 2020 a qual SOMENTE SE APLICA ENQUANTO PERDURAR O ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA DECRETADO.
A Medida Provisória nº 927 2020 dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para: i) preservação do emprego e da renda; e para ii) o enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional dando oferecendo como opção aos empregadores o regime de trabalho, o qual, já havia sido, inclusive, previsto em outras leis, tal como os arts 6º e 8º da CLT e pela Reforma Trabalhista- a Lei 13467/2017
Como se nota, o teletrabalho passou a ter normatização própria com a Reforma, que trouxe regras para a sua caracterização, duração do trabalho, formalidades contratuais, disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, meio ambiente telelaboral e outras.
Ocorre que teletrabalho e home office não são sinônimos. A CLT, desde a Reforma Trabalhista, traz requisitos para a caracterização do teletrabalho que o diferenciam da simples realização de trabalho em home office, como pode-se observar do disposto no artigo 75-B, verbis:
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. (Grifo nosso)
Nota-se pela simples leitura do dispositivo legal que o legislador inseriu, no art. 75-B, o requisito do uso obrigatório da tecnologia como condição para a caracterização da modalidade de teletrabalho, o que não se verifica em todas as atividades em home office. Isto é, pode se conceber a realização de trabalhos fora das dependências da empresa sem que, obrigatoriamente, se recorra a tecnologia.
O trabalho em home office só o será assim considerado quando realizado em casa, no lar (home) do empregado. Se realizado em ambiente de coworking, por exemplo, não se enquadra no conceito de home office.
De fundamental importância salientarmos que o artigo 62 da CLT, exclui esses empregados do regime geral de duração do trabalho, o que significa dizer que eles não possuem direito ao adicional por hora extra, exceto se houve efetivo controle e não mera possibilidade de controle.
Com a MP, o conceito e a caracterização do teletrabalho continuam os mesmos.
Contudo, algumas modificações, em razão do caráter de urgência, foram trazidas pela referida Medida Provisória. Suas inovações foram as seguintes:
1) prazo de comunicação ao empregado e prazo para alteração do regime de trabalho no que toca ao teletrabalho; a antecipação de férias individuais e a a concessão de férias coletivas: Enquanto o art. 75-C, § 2º da CLT estabelece o prazo de 15 (quinze) dias para que o empregador comunique ao trabalhador da referida modificação, o § 2º do art. 4º diminuiu esse prazo para apenas 48 horas. Sendo assim, o empregador pode, na 6ª feira e por email, por exemplo, avisar ao empregado, que ele desfrutará de férias a partir da 2ª feira seguinte e não há a necessidade de pagamento de adicional e de 13º salário junto com a concessão das férias como exige a CLT.
2) desnecessidade de mútuo acordo, ou seja, de concordância do empregado para alteração do regime presencial para o teletrabalho:3) desnecessidade de aditivo contratual: a MP estabeleceu que “durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho”. (Grifo nosso).
4) ajuste quanto à responsabilidade pela aquisição e custeio dos equipamentos e infraestrutura para o teletrabalho: A CLT não prevê expressamente em que momento tal contrato deve ser firmado, tampouco estabelece prazo máximo para tal formalização. A MP, por sua vez, dispõe que tais avenças devem “serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho”. (Grifo nosso)
6) responsabilidade pela aquisição dos equipamentos e custeio dos equipamentos e infraestrutura para o teletrabalho: Enquanto a CLT, em seu art. 75-D, prevê que a responsabilidade pela aquisição dos equipamentos e pela infraestrutura necessária à realização das atividades será estabelecida por acordo entre empregado e empregador, em contrato escrito, a MP 927 impõe ao empregador este ônus, caso o trabalhador já não a possua.
7) extensão a aprendizes e estagiários: a MP 927 ainda ampliou a possibilidade de se aplicar o mencionado regime de teletrabalho a aprendizes e estagiários, claro, sem prejuízo de que a empresa mantenha o cunho de aprendizagem para essas duas modalidades contratuais, tal como estabelecido pela CLT, nos seus respectivos dispositivos que tratam sobre o tema.
Entendidos os principais pontos assegurados MP 927 aos empregadores e aos seus empregados e considerando que o direito é uno, faz-se mister observar que quanto mais tecnologias utilizadas pelo empregado, seja em regime de teletrabalho, seja em home office e acessando sua “intranet” por meio de VPN (virtual process network), mais dados pessoais serão compartilhados. Como o empregador pode garantir que a família ou as pessoas que moram na mesma casa de seu empregado tenham acesso aos documentos sigilosos e confidenciais da empresa? Como proteger os empregados em caso de coleta, armazenamento e tratamento de seus dados pessoais sem seu consentimento expresso exigido pela LGPD- a lei geral de proteção de dados brasileira? Poderia haver um o contrato padronizado entre os titulares dos dados pessoais e o controlador e operador dos mesmos?
E mais: como evitar os malwares? A criptografia de dados cuja chave fica com o robô “sequestrador”?
Essas e outras questões não têm uma resposta única e deverão ser solucionadas ao longo do tempo.
Recorde-se que a lei 13709 de agosto de 2018 com vigência prevista para agosto de 2020 foi mais uma vez adiada: desta vez, para maio de 2021 por meio da MP 959 de 29 de abril de 2020.